Povo que não tem virtude acaba por ser escravo?
Por Marcus Morais
Povo que não tem virtude acaba por ser escravo? Com letra de Francisco Pinto da Fontoura, música de Comendador Maestro Joaquim José Mendanha e harmonização de Antônio Corte Real. Aqui falamos do hino do Rio Grande do Sul, que em seu texto original, possuía uma estrofe que foi suprimida, tanto quanto uma repetição do estribilho, pelo mesmo dispositivo legal que a oficializou como hino do estado - A lei nº 5.213, de 5 de Janeiro de 1966. Até onde sabemos, Oficialmente, há o registro de três letras diferentes para o hino, desde o período da Revolução Farroupilha. Finalmente sendo oficializada sua versão oficial pouco antes dos festejos do centenário da Revolução Farroupilha; sendo com arranjo oficial para orquestra, do maestro Alfred Hülsberg. Sendo então, a segunda estrofe oficialmente retirada em 1966; uma tentativa de restaurá-la em 2007 não encontrou apoio e foi arquivada. Subsequentemente, seguindo o projeto de lei estadual que tratava da normalização dos símbolos oficiais do Rio Grande do Sul, de 1961, ratificando assim a proposta de supressão feita pelo relator, então deputado estadual Aldo Fagundes. Trecho suprimido;|: Entre nós reviva Atenas para assombro dos tiranos Sejamos gregos na glória e na virtude, romanos Com isso queremos destacar a importância de em toda e qualquer discussão, sendo esta um debate, de se considerar a historicidade dos elementos pertinentes a esta discussão, ou seja, conhecer sobre o que se fala. Em termos de história, em uma análise extremamente rápida, podemos elencar três momentos fundamentalmente relevantes para tal questão: O primeiro, o contexto em que o fato ocorre, em nosso caso, a composição do hino rio-grandense. Em um segundo momento, o contexto temporal em que é lido. Por fim, o uso, a intenção por trás de sua escrita e leitura, independentemente do período em que foi escrito, ou em que será lido. Desta maneira, nos aproximamos da discussão recente acerca do hino rio-grandense, especialmente sobre o trecho;: “...povo que não tem virtude; acaba por ser escravo...” Discussão esta que incide sobre a potencial alusão e ou expressão racista presente no trecho acima citado. Pois bem: O contexto histórico a que nos referimos anteriormente, enquanto contexto original, depara-se com uma recorrente alusão as virtudes greco-romanas, amplamente valoradas e exploradas por renascentistas dos séculos XV e XVI, sendo com efeito, posteriormente resgatadas pelos iluministas dos séculos XVII a XVIII, ecoados a meados do século XIX. Basta vermos o lema da revolução Farroupilha: “Liberdade, Igualdade, Humanidade, explicitamente inspirado em: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, lema da Revolução francesa, que por sua vez refletiam os ideais iluministas, ostensivamente aplicados aos preceitos da independência norte americana. Dos últimos: 1789 e 1776 respectivamente. É sabido que as principais lideranças farroupilhas foram largamente influenciadas em sua geração por estes ideais, tanto iluministas, quanto republicanos. A saber, princípios éticos e intelectuais que como já dito, buscavam na inspiração dos antigos gregos e romanos as virtudes, virtudes estas que não desconsideravam o modelo escravagista, base da economia republicana, especialmente estado-unidense. O que nos leva a inferir, em uma breve análise da episteme deste processo, que sim, havia uma contextualidade original que trazia a escravidão como algo verdadeiramente intrínseco em suas concepções conceituais. Por outro lado, não alusiva ao uso do termo, mas sim, ao uso ideológico do mesmo, ou seja, etimologia e epistemologia são coisas distintas, não é a palavra que faz o indivíduo, mas sim a manifestação de seus desejos por meio da palavra. O que queremos dizer com isso, é que o contexto original com que o texto do hino rio-grandense foi escrito não parece indicar uma necessária alusão racista ou similar se observada a partir de um contexto atual, embora aponte em sua originalidade tal alusão. De mesma forma, a escravidão a que se referia a letra original, não era necessariamente a escravidão de pessoas negras, mas a escravidão sob conquista aplicada pelos romanos por exemplo, sendo neste caso, a virtude um sinônimo direto de valentia e habilidade na guerra. Mas daí a dizer que em seu uso na província rio-grandense a mesma não trazia em suas entre linhas uma concepção e conotação a escravidão dos negros do período, seria no mínimo uma ingenuidade histórica. Não obstante, sem atribuirmos caráter maniqueísta ao mesmo ato. A inspiração vinha dos gregos e romanos, porém assim como os renascentistas e os iluministas, havia um ouso aplicado desta inspiração as compreensões e percepções contemporâneas ao período as quais eram manifestadas; como uma espécie de releitura aplicada de princípios políticos e ideológicos. Em outro termo, usava-se a palavra de outrora ao que se conhecia no momento de seu uso. Em linhas gerais, entendemos que a discussão acerca da letra do hino é válida sim, o que não significa entender discussão com confronto pessoal, mas sim debate, uma vez que como seres humanos, pertencentes ao gênero humano, temos na linguagem, seja ela falada e ou escrita a base de nossas formas de comunicação mais primitivas, por sua vez, definindo nossas funções psíquicas superiores. Dizer que discutir a letra de um hino é algo superficial, é desconsiderar uma das mais importantes formas de comunicação humana, a escrita, consequentemente, desconsiderar seus efeitos. Cabe por fim a única pergunta que aqui me parece pertinente até o momento: A Palavra tem poder? Se a resposta for “não”, encerra-se aqui toda e qualquer discussão, uma vez que não há que se discutir sobre o que não tem valor. Por outro lado, se a resposta for “sim”, celebremos a maior de todas as nossas virtudes possíveis: a Humanidade e a capacidade de evoluirmos a partir de nós mesmos: “Fiat lux”. Por Prof. Me. Marcus Morais.